A cocaína é uma das substâncias extraídas das folhas da coca, o arbusto Erytroxylon coca, originário da região andina. Em 1862 o químico Albert Niemann conseguiu produzir em laboratório, a partir da coca, um pó branco – o cloridrato de cocaína, cuja fórmula química é 2-beta-carbometoxi-3betabenzoxitropano. A partir de 1880 a cocaína passou a ser empregada como anestésico local em cirurgias do nariz e da garganta, e depois como analgésico. Empregava-se também para combater vômitos e enjôos, através de poções. Nas últimas duas décadas do século 19, medicamentos patenteados contendo cocaína inundavam o mercado. Desde tônicos, ungüentos, supositórios, pastilhas expectorantes e até vinho com cocaína. No início do século a cocaína ainda podia ser comprada livremente, era um medicamento como outro qualquer. Recomendava-se apenas que o doente, depois de "medicado", permanecesse deitado por algumas horas... Só foi proibida tempos depois, quando os casos de morte pelo seu abuso começaram a assustar... Na década de 80 ela chegou a ser chamada de "caviar das drogas", em razão de seu consumo generalizado pelos endinheirados executivos americanos, os "yuppies". Em 1996, só nos Estados Unidos, havia 14 milhões de viciados em cocaína, que consumiam regularmente 400 toneladas da droga por ano. O que faz a cocaína ?
Como vício a cocaína é consumida na forma de cloridrato, sendo absorvida por via oral ou nasal. Chegando à corrente sangüínea a droga começa a atuar em três neurotransmissores cerebrais: a serotonina, a norepinefrina e, principalmente, a dopamina. Esses neurotransmissores é que permitem que um neurônio (célula nervosa) mande uma mensagem a outro, já que eles não se tocam. Num processo normal, a dopamina leva a mensagem de um neurônio a outro e depois é reabsorvida pela célula de origem. A cocaína impede essa reabsorção, obrigando a dopamina a continuar estimulando as células nervosas, gerando uma alta estimulação neurológica que leva o nome de "euforia cocaínica", com a conseqüente exaustão das reservas de neurotransmissores (Guardadas as devidas proporções, o processo é idêntico ao causado pelos antidepressivos tricíclicos. A cocaína também potencializa os efeitos dos neurotransmissores noradrenalina e serotonina). O corpo leva de 15 minutos a uma hora para metabolizar a droga. A cocaína não apenas impede a reabsorção do neurotransmissor, mas também destrói ou queima os receptores pós-sinápticos.
efeitos causados
O usuário pode apresentar sintomas psicóticos: irritabilidade e inquietação constantes, alucinações visuais aterradoras, desconfiança de tudo e de todos, delírios, crises de medo. No geral, há pelo menos 47 sintomas ou sinais catalogados decorrentes da intoxicação por cocaína em suas várias fases…
Outros pesquisadores catalogam ainda os seguintes sintomas ou sinais que a cocaína provoca: ansiedade, irritabilidade, violência, apatia, preguiça e letargia, comportamento compulsivo, problemas de concentração, confusão mental, problemas de memória, tremores (associados tanto com o uso quanto como o afastamento da droga), desinteresse nos relacionamentos com a família e com os amigos, extrema agitação, ataques de pânico, negligência pessoal, desconfiança de amigos, familiares, cônjuges e colegas de trabalho, estado psicótico semelhante à esquizofrenia paranóide, com delírios e alucinações. A cocaína causa nos usuários a diminuição da fadiga, da fome e da sensibilidade à dor. Grandes doses podem causar parada do coração e morte. Eventualmente provoca febre (devido à problemas respiratórios na inalação). É causa de infecções bacterianas do nariz e da garganta, boca seca, tosse, convulsões, tonturas, enxaquecas com diferentes graus de severidade, náusea, dores abdominais, insônia, hipertensão, hemorragia cerebral (quando a hipertensão rompe os vasos do cérebro), arritmia cardíaca, coagulações e infecções cardíacas. A longo prazo os efeitos são a dependência e lesões cerebrais. Há um adelgaçamento do córtex cerebral, devido provavelmente a uma isquemia microscópica nessa zona. As mucosas nasais ficam corroídas. A droga provoca perda de peso e alterações hormonais, 14% dos consumidores têm pelo menos uma crise convulsiva, independentemente da dose tomada. De acordo com um estudo, o fumante de pasta de cocaína passa por quatro fases distintas no consumo da droga; isso, naturalmente, se não morrer antes de "overdose":
1ª fase – Euforia cocaínica: excitação, hipersexualidade, inapetência, hipervigilância, instabilidade emocional, insônia.
2ª fase – Disforia cocaínica: angústia atroz, inapetência, insônia, indiferença sexual, apatia, tristeza, melancolia, agressividade.
3ª fase – Alucinose cocaínica: alucinações (visuais, auditivas, táteis, olfativas), excitação psicomotora, indiferença sexual.
4ª fase – Psicose cocaínica: ilusões paranóides, mania de perseguição, insônia, depressão, tentativas de suicídio e homicídio, alucinações (auditivas e olfativas), hipervigilância.
Os sintomas da 4ª fase são comuns entre usuários de grandes doses de cocaína, e mais ainda naqueles que fazem uso da associação álcool-cocaína. O dependente faz associação com outras drogas, como o álcool e tranqüilizantes, para contrapor efeitos excessivamente estimulantes da cocaína. Nos Estados Unidos e Europa é comum a combinação com opiáceos; os viciados "sobem" com a cocaína e "baixam" com a heroína, prática essa denominada de speed boinling. A overdose geralmente ocorre na fase inicial estimulatória de toxidade, (ataques, hipertensão e taquicardia) ou na fase posterior de depressão, culminando em extrema depressão respiratória e coma. Com a disseminação do uso endovenoso, existem riscos de coagulação do sangue com danos às veias, inflamação do fígado, inflamação da membrana que reveste a medula espinhal e o cérebro, alterações visuais, pupilas dilatadas, clarões de luz na visão periférica, perda do apetite, anorexia e perda de peso, padrões alternativos de prisão de ventre e diarréia, e dificuldade para urinar. A cocaína danifica o cérebro ao produzir um estreitamento dos vasos sangüíneos, que pode até ser fatal. Estudos mostraram que a cocaína afeta tanto a composição do sangue quanto os vasos por onde ele circula, aumentando os riscos de formação de coágulos. Há um aumento de 6% superior às concentrações normais. Isso significa que o sangue fica mais viscoso e circula com maior dificuldade por veias e artéria. A concentração de uma proteína conhecida como fator de Von Willebrand, ligada à coagulação sangüínea, também aumenta. A taxa supera em até 40% os índices normais num período de apenas meia hora. Essa situação persiste por quatro horas, aumentando drasticamente o risco de as plaquetas se acumularem nas paredes internas dos vasos e formarem coágulos. “É o mesmo que praticar uma roleta-russa. O estreitamento dos vasos carrega a arma, o espessamento do sangue coloca o gatilho em posição e o fator Willenbrand é o disparo”. Como resultado dessa combinação, os riscos de uma pessoa sofrer um infarto logo após o consumo de cocaína aumenta em 24 vezes. Derivados Em fins da década de 70 surgiu droga derivada da cocaína ainda muito mais poderosa e mortífera, e também muito mais barata: era o "crack". Sua popularização, porém, só se deu na década de 90. O crack é um derivado químico da pasta de cocaína, sendo oferecido na forma de pequenas pedras que são fumadas em cachimbos improvisados. Provoca intensa euforia e sensação de poder. A dependência é quase imediata: com cinco "pipadas" a pessoa já está viciada. Assim como a cocaína comum, o crack também atua bloqueando a reabsorção de um neurotransmissor, a copamina. Para os viciados em crack a droga passa a ser literalmente tudo em suas vidas. Muitos chegam a ficar procurando pelo chão alguma pedra perdida, seja onde for, e fazem qualquer coisa para obter dinheiro e conseguir aplacar a necessidade de consumo. Começam vendendo tudo o que é seu ou de seus parentes, depois passam a roubar e se prostituir, e por fim matam se for necessário. O viciado se degrada tão profunda e rapidamente, e de modo tão visível, que, ao contrário do que acontece com as outras drogas, ele tem plena consciência que a sua transformação é devida ao crack. Em fins de 1997, descobriu que o entorpecente mais procurado na capital do país era um novo tipo de droga obtida da pasta da coca: a "merla". Em laboratórios improvisados de Brasília, a pasta vinda da Bolívia, Colômbia e Peru é "enriquecida" com ácido sulfúrico, querosene, gasolina, benzina, metanol, cal virgem, éter e pó de giz. De acordo com uma pesquisa realizada na época, 68,7% dos usuários de merla roubavam para poder sustentar o vício, 17% se envolviam com o tráfico para poder adquirir a droga e 20,5% haviam tentado se matar para fugir da síndrome da abstinência ou da depressão causada pelo uso continuado. A merla destrói grande número de neurônios (células cerebrais), prejudica a memória e a coordenação motora, podendo causar hepatite tóxica e fibrose pulmonar e, assim como a cocaína, provoca taquicardia e em casos extremos até parada cardíaca.
"O vinho de coca, uma preparação feita à base da planta, foi considerado durante muito tempo uma bebida reconstituinte e reconfortante, que dotava os apreciadores de novas energias. Foi um verdadeiro modismo, elegante mesmo, o uso desse vinho. As mais altas autoridades da Europa, príncipes e reis, primeiros-ministros, nobres, etc., eram os principais apreciadores. Houve até um papa que agraciou com uma medalha o principal fabricante desse vinho."
"A guerra contra as drogas acabou. As drogas venceram." Este o título de um artigo publicado no jornal The Washington Post por Patrick Murphy, ex-chefe de polícia da cidade de Nova York. Segundo Patrick, "o comércio de drogas é hoje um dos mais bem sucedidos empreendimentos, com lucros que podem chegar a US$ 150 bilhões neste ano [1995]."
A DROGA PRODUTIVA
Tudo começou com a fome.
Os índios andinos, quando expostos à fome e ao cansaço, para diminuir essas sensações desagradáveis, aprenderam a mascar uma espécie de chiclete, feito de folhas de coca misturadas com cal (óxido de cálcio), obtida de conchas marinhas. A cal ajuda a liberar a cocaína das folhas, e reduz o sabor amargo delas.
Embora esse tipo de uso date de milhares de anos, até hoje se discute se, ingerida assim, a coca induz ou não dependência e tolerância, se os nativos dos Andes, que usam a droga desse jeito, devem ou não ser considerados viciados.
Levada para a Europa pelos conquistadores espanhóis, a coca foi elegantemente usada nos salões da época, sob a forma de vinho, considerado revigorante e reconfortante.
Quando, em 1857, um químico alemão conseguiu isolar a cocaína, que é o princípio ativo da droga, o poderoso pó branco atraiu o interesse da comunidade científica, seduzida pela possibilidade de estar diante de uma substância com propriedades medicinais inéditas, que poderia mitigar males até então incuráveis.
Freud, no final do século passado, participou de pesquisas com a cocaína, acreditando que ela poderia servir de cura para a depressão. Ele próprio chegou a usar a droga, da qual passou a ser um adepto entusiasmado, até que um amigo íntimo, que tinha usado a cocaína por indicação dele, apresentou sintomas de um quadro psicótico.
Nessa época, a droga era vendida livremente em restaurantes e cafés, e entrava na composição de muitos tônicos e remédios, ainda que isso nem sempre fosse declarado em rótulos e bulas.
Quando a Coca-Cola foi lançada nos Estados Unidos, em 1888, sua propaganda anunciava que ela continha um "marcante agente terapêutico, capaz de aliviar a dor de cabeça e a fadiga". Parece que a primeira fórmula da bebida incluía uma certa dosagem de cocaína, mas esta foi retirada depois que se fez uma lei, naquele país, tornando obrigatória a apresentação, na embalagem, de todos os ingredientes dos alimentos e remédios colocados à venda.
No começo do século, a cocaína era usada em medicina, sob a forma de pomada ou ungüento de xilocaína, como um anestésico local, de mucosa, para pequenas cirurgias do ouvido, nariz, gengivas, garganta, reto e vagina. Sua ação se fazia sentir, no local, depois de um minuto, e o efeito perdurava por aproximadamente duas horas.
Na década de 40, a xilocaína foi substituída pela procaína, substância sintética que tinha as mesmas propriedades anestésicas, mas era menos tóxica, além de não ser viciante. Atualmente, a lidocaína tomou o lugar da procaína, por ser mais facilmente metabolizada e ter menos efeitos colaterais.
Entretanto, a substância ativa só é absorvida por mucosas, não penetra pela pele. Assim, usar pomada de xilocaína ou lidocaína para arrancar sobrancelhas sem dor é conversa fiada, só pode ter efeito psicológico.
COMO UM ESTIMULANTE FUNCIONA COMO ANESTÉSICO ?
É que a cocaína atua através de dois mecanismos diferentes. O efeito estimulante resulta da ação da droga sobre as sinopses, o espaço entre dois neurônios, enquanto o efeito anestésico ocorre dentro dos neurônios, onde a cocaína dificulta a passagem do estimulo. Com isso, a propagação do impulso nervoso fica interrompida e a mensagem com a informação sobre a dor fica pelo caminho, isto é, não consegue atingir o cérebro.
E o pó ?
Quando injetada ou aspirada, sob a forma de pó, a cocaína tem sobre o cérebro o efeito de um estimulante típico: ao bloquear a reabsorção de neurotransmissores, depois que esses são liberados nas sinopses, a droga faz com que a ativação do sistema nervoso se mantenha por mais tempo. uso repetido, dentro de um curto período, pode provocar convulsões.
Houve surtos de uso ilegal da droga, no início do século, no Brasil e no mundo. Depois, a cocaína foi sendo gradativamente abandonada e seus usuários passaram a preferir as anfetaminas, que podiam ser compradas em farmácias, o que era mais fácil do que cair nas mãos dos traficantes. Além disso, por serem sintetizadas em laboratórios) as anfetaminas são mais seguras e podem permitir um controle melhor da dosagem consumida.
Entretanto, na década de 80, houve um retorno ao vício antigo. Em 1985 (último ano cujos dados foram publicados), foram consumidas, nos Estados Unidos, 72 toneladas de cocaína.
No Brasil, em 1987, numa clínica especializada no tratamento de dependentes de drogas, no interior de são Paulo, 63% dos pacientes internados tinham usado cocaína. E há sinais claros de que, entre estudantes brasileiros, a escalada continua.
A DROGA DOS MIL E UM CAMINHOS
A cocaína é muito versátil, quanto à forma de consumo. O chá, preparado com as folhas de coca, ainda é usado. No Peru, existe até o Instituto Peruano de Coca, semelhante ao extinto Instituto Brasileiro do Café, que controlava a autenticidade do produto. Em alguns hotéis, o chá de coca é servido como ritual de boas-vindas.
Entretanto, nessa forma de ingestão, pouca cocaína passa para o sistema nervoso. A quantidade de droga contida no chá é mínima, e essa, ao ser absorvida no intestino, entra no sangue e é quase toda destruída no fígado e não chega ao cérebro.
A cocaína se presta a fazer chá por ser solúvel em água. Ora, essa mesma propriedade é que lhe confere a versatilidade quanto ao modo de usar: pode ser inalada (pois se dissolve na umidade da mucosa nasal), injetada (forma pela qual chega mais depressa ao cérebro), colocada debaixo da língua (de onde é absorvida pelos vasos sangüíneos dessa área) ou fumada (sob a forma de crack).
A COCAÍNA EM PÓ, QUE MAL FAZ ?
Cada uma das vias pelas quais se consome a cocaína produz efeitos ligeiramente diferentes, quanto à intensidade e duração. Mas a sensação provocada é a mesma: euforia rápida e intensa, indiferença à dor e ao cansaço, diminuição da fome, excitação, insônia.
Experiências feitas com ratos, que recebiam cocaína cada vez que acionavam uma alavanca, mostraram que os animais preferiam receber a droga a se alimentar ou beber água. Em alguns casos, eles continuaram a pressionar a alavanca para receber cocaína até a morte, sob o efeito de violentas convulsões
QUEM USA COCAÍNA ?
Por seus efeitos, essa droga seria ideal para escravos, já que permite que a pessoa trabalhe muito, comendo pouco e dormindo menos ainda. Assim, ao contrário da maconha, que, quando foi introduzida, era um símbolo da contestação à autoridade, a cocaína é a droga escolhida por aqueles que estão engajados na ideologia do Sistema, na luta pelo sucesso nessa sociedade competitiva.
Seus efeitos estão muito próximos do ideal de sucesso e de bem-estar em nossa cultura: o prazer rápido e intenso, a sensação de poder, a superação das necessidades e contingências que nos fazem humanos, como a fome, o cansaço, a tristeza.
Não é por acaso que essa é a droga predileta dos jovens executivos que procuram o caminho do sucesso. Sob seu efeito, parece que fica mais fácil tolerar as regras do jogo do poder, mantendo, ao mesmo tempo, a sensação de que se está acima de todas essas coisas pequenas e mesquinhas.
A cocaína dá realce ao super-homem que habita cada um de nós. Só que não reforça o lado justiceiro e protetor do personagem: ela amplia apenas a sensação de poder. Pelo menos, enquanto dura seu efeito. Quando ele passa, surge um Clark Kent ainda menor, mais enfraquecido, mais tímido.
ELIXIR DA FELICIDADE ?
Há, porém, o reverso da medalha. A pessoa que usa a droga tende a ficar irritadiça, ranzinza, agressiva, e pode cair numa depressão tão profunda que às vezes leva ao suicídio.
Existe até um quadro psicótico típico, provocado pela droga (do qual foi vítima o amigo de Freud), caracterizado por explosões de raiva e surtos de violência. Na maioria das vezes, as perturbações perduram por algumas horas ou alguns dias, mas existem casos em que essas condições voltaram a aparecer muito tempo depois, mesmo sem o uso da droga. Embora sejam raros, existem casos em que essas perturbações se tomaram permanentes.
MAS A COCAÍNA VICIA OU NAO VICIA ?
Embora seja comum o usuário de cocaína tomar doses repetidas, cheirando, aspirando ou injetando cocaína até a exaustão (como os ratinhos da experiência), não está comprovado que o uso da droga leve ao desenvolvimento de tolerância.
A obsessão em repetir a experiência parece estar mais ligada ao fato de que a sensação de prazer é, ao mesmo tempo, intensa e efêmera, isto é, desaparece quase imediatamente. É como se, o tempo todo, o sujeito vislumbrasse o paraíso, sem jamais conseguir penetrar nele.
PERIGO !
Não há nenhum sentido em alimentar a polêmica entre os que garantem que a droga é altamente viciante e os que apresentam dados muito confiáveis para demonstrar que ela não desenvolve tolerância nem dependência física.
No caso da cocaína, o mais importante não é isso. O que faz com que ela seja uma droga especialmente perigosa é a freqüência com que provoca acidentes fatais - muitas vezes numa única experiência.
Se a dose tomada de uma só vez for alta, pode desencadear convulsões. A pressão arterial pode subir rapidamente, acompanhada de taquicardia, o que sobrecarrega o coração, provocando a fabricação ventricular, condição extremamente grave que muitas vezes leva à morte, se não houver socorro imediato.
O exagero da dose pode ser proposital - na ânsia de repetir vezes sem conta a sensação prazerosa, a pessoa perde a mão - ou pode ser acidental, quando o pó tem um grau de pureza maior do que o costumeiro. As pessoas acreditam, erroneamente, que a dosagem é determinada apenas pela quantidade de pó aspirado, esquecendo-se de que isso depende
EFEITOS COLATERAIS
Além dos efeitos provocados diretamente pela bioquímica da cocaína, há outros, ligados à maneira como a droga é consumida. Assim, a aspiração pode resultar, a longo prazo, em feridas no interior do nariz e na garganta, sinusite, rouquidão e, ocasionalmente, ruptura da cartilagem do nariz.
O hábito de injetar cocaína deixa o usuário exposto aos riscos de contaminação, já que, nessas situações, o processo de esterilização da agulha é negligenciado. As pessoas costumam partilhar a mesma seringa e, às vezes, até a mesma agulha, no afã de aproveitar a droga. Isso abre uma porta para as infeções que se transmitem pelo sangue, como hepatite, malária, endocardite ou AIDS.
COQUETÉIS MORTAIS
A cocaína é a campeã das combinações explosivas. É claro que a perda de controle induzida pela droga pode levar a pessoa a perder a mão em tudo: na agressividade, na conversa, na bebida. A intromissão do álcool no circuito da cocaína pode ter um efeito devastador, inclusive por motivos fisiológicos. Tanto o álcool quanto a cocaína são metabolizados no fígado, mas, se ambos estiverem presentes na circulação sangüínea, o álcool é metabolizado primeiro, e a cocaína pode, então, ficar circulando, sem transformações, por um tempo maior, o que toma seu efeito muito mais perigoso, principalmente sobre o coração.
Outra mistura perigosa é de cocaína e maconha, pois seus efeitos sobre o músculo cardíaco são antagônicos: uma é estimulante e a outra é relaxante.
E AINDA PODE SE LEVAR GATO POR LEBRE
Como a cocaína é uma substância cara, é comum os traficantes acrescentarem diferentes pós brancos, de consistência semelhante à dela. Alguns desses aditivos são inocentes e só fazem atenuar o efeito da droga (o açúcar, o talco e o bicarbonato de sódio são aditivos freqüentes). Mas há outros aditivos que podem ser perigosos, como o pó de vidro, de mármore ou de lidocaína.
Os testes para determinar o grau de pureza da cocaína não são tão simples como o cinema insiste em mostrar e as condições em que se dá a compra desse material geralmente não favorecem o exame detalhado da mercadoria, de modo que esse risco adicional faz parte do jogo.
E os traficantes não costumam aceitar reclamações posteriores, nem devolução de mercadoria. Aliás, não são nem mesmo encontráveis, depois de terem entregado uma mercadoria que tenha provocado um acidente. Insistir em encontrá-los pode provocar novos acidentes, quase sempre fatais.
NÃO FUJA DA RAIA
Uma overdose de cocaína é uma emergência perigosa, muitas vezes fatal. Os acidentes são mais comuns do que se acredita. Apesar do estardalhaço que a imprensa faz com alguns casos, a maioria das mortes por overdose de cocaína não chega aos noticiários. Mesmo para os amigos e parentes, a família costuma atribuir essas mortes a parada cardíaca, de origem desconhecida.
Então, numa emergência, o socorro tem de ser imediato e especializado. Não hesite em procurar ajuda médica, em levar o amigo para um pronto-socorro. Ao contrário do que se diz, o médico não tem obrigação nenhuma de notificar casos de overdose à polícia. Na verdade, você tem o direito de exigir anonimato: o médico está preso ao compromisso de sigilo que cobre seu trabalho.
No caminho para o hospital, procure manter a pessoa calma, mas acordada.
ENXERGUE UM PALMO DIANTE DO NARIZ
Entre um nariz e uma fileira de pó estão coisas que ninguém quer ver, que as pessoas insistem em fingir que não existem ou que não têm nada a ver com elas.
Estou falando das coisas que qualquer um ajuda a sustentar, quando compra um grama de pó. Estou falando do submundo que vive da droga, que depende desse comércio e é sustentado por ele: os cartéis e assassinatos, os campos de pouso clandestinos e as queimadas das florestas. Estou falando de violência, de destruição, de miséria - de males contra os quais lutamos, levantamos bandeiras, fazemos passeatas e fundamos partidos políticos.
Quem compra um grama de cocaína está, na verdade, colaborando com toda essa rede de iniqüidades. Mas as pessoas tentam se convencer de que não têm nada com isso.
Como os que continuam achando que é um grande negócio comprar um toca-fitas de carro, baratino, sem nota fiscal, nem nada. Se calhar, estão até comprando o mesmo aparelho de som que tinha sido roubado de seu carro ainda outro dia.