quinta-feira, 17 de julho de 2008

Entrevista com a psicóloga Patrícia Mondarto



GSV Em primeiro lugar, gostaríamos que a senhora se apresentasse , falando da sua relação profissional com a questão da dependência química.

Patrícia: Meu nome é Patrícia Mondarto, eu sou psicóloga e coordeno uma enfermaria no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, chamada Serviço de Atenção ao Usuário de Álcool e Outras Drogas e faço a assessoria da coordenação da área de saúde mental.

GSV: Por favor relate sua experiência em tratamento de usuários de drogas:

Patrícia: Vou falar da minha experiência aqui no HPJ. Hoje em dia a política do ministério da saúde, é uma política de redução de danos, ela não preconiza a internação, principalmente a internação em hospital psiquiátrico; nos somos o único hospital público que tem uma enfermaria destinada a essa clientela. Isso vale a pena esclarecer, pois não é uma contradição à política do ministério da saúde. Nessa enfermaria não trabalhamos com desintoxicação ou tratando de abstinência, esse não é o nosso objetivo, isso é feito em outros hospitais do município de Niterói, na maioria das vezes no Azevedo Lima, que é um Hospital estadual, também CPN que um municipal ou Antonio Pedro. Nós trabalhamos em retaguarda ao CAPSAD (centro de atenção e psicossocial de álcool e drogas) aos ambulatórios e de uma forma disparadora de inserção de tratamento. Quando eu digo retaguarda, falo, que algumas pessoas interrompem tratamento, não conseguem interromper seu uso de álcool e drogas, estão em situação bem precária, onde um atendimento ambulatória não daria conta, então a internação entraria como uma possibilidade de corte de uso e reinserção no tratamento, ou seja, é basicamente um construção de demandas de tratamento.

GSV: Qual seria o período máximo de internação ?

Patrícia: Não há um período Máximo, nós não trabalhamos com tempo fixo. O que posso te dizer é que temos uma média de internação de dezoito dias; isso é apenas uma média, porque atrás de casos de dependência química, muitas vezes temos outras psicopatias, portanto, muitas vezes se começa uma internação com um caso de uso de drogas e se constata outros problemas e essa internação acaba se estendendo.

GSV: O interno, dependente químico, ele fica junto com outros pacientes com outros problemas?

Patrícia: Não essa enfermaria é específica para usuário de álcool e drogas.


GSV: Qual é a rotatividade aqui da enfermaria?

Patrícia: Esse serviço de internação existe desde de 1997, no início ele foi fundado para trabalhar com intoxicação aguda e abstinência, e só se tratava isso. Então era uma rotatividade alta. Quando começamos a trabalhar com um olhar mais ampliado, de construir uma demanda de tratamento, de entender qual é a função da droga na vida daquela pessoa, tentando ir no que há de particular, que é diferente do que se faz nos grupos de mutua ajuda (AA, NA) e nos centros de recuperação, que tem como enfoque os doze passos e falando de uma forma mais psíquica, tendem a criar uma identidade coletiva, ou seja, eu sou alcoolista, então eu passo a ser o dependente químico ao invés de ser o João, a Maria.
O trabalho que nós tentamos fazer na internação é o contrario, nós tentamos buscar a individualidade de cada um para entender qual é função da droga na vida daquele indivíduo, na verdade nos interessa os pacientes que não se adéquam ao AA ou NA, sem no entanto criar uma rivalidade com essas entidades. Então a internação serve para dar um pontapé inicial para a resolução desse enigma, dessa pergunta, “Qual a função da droga para o indivíduo? “

GSV: Qual a abordagem ou linha teórica usados no tratamento aqui n HPJ ?

Patrícia: Psicanálise. Isso não significa dizer que a gente não respeite os outros trabalhos. Por exemplo: Toda quarta-feira pela manhã o grupo do AA vem à enfermaria e apresenta o trabalho para os pacientes. Participar ou buscar o AA depois, é uma decisão do paciente, não é uma indicação nossa. Volto a dizer a gente tem interesse maior nesses pacientes que não se adéquam a esses tratamentos que se tem hoje disponibilizados, a nós interessa pessoas que estão com os laços sociais rompidos, que estão com os vínculos familiares rompidos, que estão a deriva, cujo objetivo é só se drogar.

GSV: Como à senhora vê o resultado desse trabalho?

Patrícia: Nós vemos uma boa adesão ao trabalho do CAPS do ambulatório, durante a internação a gente já começa o trabalho de parceria, para, onde esse paciente vai ser encaminhado, depois de encaminhado, eles voltam pra dizer se chegou, se esta bem, então esse é o retorno, que nós temos então ha um nível de adesão significativo, isso não quer dizer que não haja reinternações e recaídas; não se pode trabalhar com essa clientela com uma exigência ou uma expectativa muito alta. É uma clínica onde a frustração é presente, onde a recaída existe e isso faz parte de um percurso.

GSV: Qual a sua opinião sobre aos grupos anônimos Na, AA, grupos que usam os doze passos como base para a recuperação?

Patrícia: Acho que são grupos de auto ajuda , que funcionam para algumas pessoas, mas não para todas; acho que tem função, que são importantes, mas o trabalho deles remete a algo coletivo.

GSV: Na sua opinião qual é a maior dificuldade no tratamento do usuário de drogas, do dependente químico?

Patrícia: Eu acho que são inúmeras, começando pela nossa cultura, e pela nossa própria história. Se você parar para pensar, antigamente o álcool era o grande problema, então existe toda uma questão cultural na qual agente acaba menosprezando , hoje em dia temos uma cultura onde tudo pode; se drogar é quase um imperativo da vida moderna, para cuidar de prevenção, informação é sempre bem vinda.

GSV: A senhora acredita que há vontade política no Brasil para prevenção e combate a uso de drogas?

Patrícia: Eu acredito na política de saúde. Acho que temos programas de saúde de fato, muito bons, acho que o SUS é muito bom, mas se pensarmos em termos de municípios e estados, acho que há muita dificuldade. Hoje o ministro da saúde é um técnico que sabe do que esta falando, mas o ministério da saúde não é o ministro. Política de saúde se faz com, educação, cultura, lazer, principalmente em saúde mental. A saúde sozinha não vai dar conta do adolescente que esta fumando crack , cheirando cola, a saúde só vai dar conta, quando tivermos uma assistência social adequada, uma educação adequada etc...

GSV: Em uma de nossas últimas postagens, tivemos comentários, dizendo que trazer informação não adiantaria de nada, pois o dependente não estaria interessado. A senhora acha que trazer a tona um debate sobre o assunto é relevante?

Patrícia: Sim o debate sempre ajuda, não é só uma questão de informação, mas a informação faz parte, mas sozinha não da conta disso.

GSV: A senhora tem alguma experiência relevante, que gostaria de relatar?

Patrícia: Na verdade estávamos a bem pouco tempo com uma pessoa de vinte e poucos anos, usuário de cocaína, que estava a poucos meses usando crack, que ao contrário do que nós vemos na literatura, o crack entrou fortemente mas de uma forama diferente do que se esperava no Estado, a abstinência na prática é diferente do que se vê nos livros, as coisas tem se dado de uma forma muito diferente no que a gente vê no dia a dia e eu acho que a gente tá muito perdido no tratamento do cack.
Nesse caso era um menino jovem, que já tinha cometido vários delitos, dentro e fora de casa, ficou internado em torno de vinte e seis a vinte sete dias e eu me lembro muito bem, por ser uma pessoa tão jovem que começou o uso tão cedo de uma forma tão avassaladora. Tivemos que fazer um trabalho de orientação familiar difícil, mas muito bom, porque essa mãe pôde suportar dizer não para esse menino, mesmo que dizer não fosse não deixá-lo entrar em casa, e a gente pôde contar com um projeto social ligado ao esporte, que também convocou esse menino, não só para o esporte, mas como para o trabalho. Então é uma pessoa que esta em tratamento no ambulatório, que sempre liga e da noticias, que eu considero que tenha sido um trabalho bem sucedido, não só porque ele tenha parado, mas pela interface de ações, da saúde com o projeto social, de uma ONG na época.

GSV: Além do CAPS, o paciente é acompanhado aqui?

Patrícia: Depende do caso; nós temos cinco ambulatórios todos são regionalizados; então o paciente é encaminhado para o ambulatório mais próximo da sua casa, e quando o paciente não tem ainda uma vinculação com o ambulatório nós marcamos um retorno aqui para o hospital.

GSV: O que a senhora diria para uma pessoa que esta pensando em usar drogas?

Patrícia: Nada, eu acho que agente vive em um país livre, acho que não é o meu papel fazer terrorismo; que eu chamo de terrorismo? Não pode fazer isso! O resultado do não e do sim dependendo do tom que ele seja dito o resultado é igual.

GSV: Cresceu muito o uso de crack no Rio de Janeiro?

Patrícia: Muitíssimo! Agora o surpreendente é que pessoas que estavam habituadas a usar outros tipos de drogas e começam a usar o crack, estão também assustadas. Nós recebemos usuárias de cocaína de longa data , que ao começar a usar o crack se assuntam e vêem logo a necessidade de tratamento.

GSV: Existe uma cultura que diz que a maconha é uma droga natural, que não faz mal, o que a senhora tem a dizer a respeito?


Patrícia: Isso é uma grande bobagem, ou nós falamos de droga e inclui todas as drogas ou nós vamos ficar classificando: Preto, branco, amarelo, roxo _ droga é droga, a escolha da droga não depende da força da droga, não existe remédio fraco, nem remédio forte, nem droga forte, nem droga fraca. A questão é como isso interfere na sua vida, não importando se é o álcool ou a maconha se é o cigarro se é o remédio em excesso, o que importa é o tipo de relação que se tem com aquela droga.

GSV: É possível fazer uso de cocaína ou de crack sem, se ter uma relação doentia com a droga?

Patrícia: Existem pessoas que são usuárias mas continuam funcionais, não deixam de trabalhar, não deixam de ter vida familiar, não deixam de ter vida social.

GSV: A senhora gostaria de deixar alguma mensagem para o internauta?

Patrícia: Sim , ficar ligado, fazer o que seu desejo mandar, com consciência e responsabilidade, porque eu acho que o melhor que agente tem da vida é poder viver responsavelmente, e responsavelmente não é careta, é viver sem culpa mas com responsabilidade.

GSV: O Grupo Saber Viver agradece a entrevista.

Patrícia: Eu que agradeço! Espero poder ter contribuído.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

ENTREVISTA COM O ENFERMEIRO BRENO MAGALHÃES BASTOS


GSV: Gostaríamos que o senhor se apresentasse falando das suas atividades profissionais?

Breno: Sou um enfermeiro formado a 5 anos pela Escola de Enfermagem Anna Nery, que atualmente pertence a Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ)
Dentro de todo programa curricular e extra curricular oferecido pela universidade eu tive uma experiência muito significativa dentro de um núcleo específico chamado CEPUAD. Depois que me formei tive algumas experiências na área de saúde mental trabalhando em alguns manicômios, mas eu gosto mesmo é de sala de aula, formando agente de saúde e tecnico de enfermagem. Estou me preparando atualmente para mestrado em filosofia e posteriormente um doutorado .

GSV: Que tipo de trabalho era feito nos locais onde você trabalhou com relação aos dependentes químicos?

Breno: Dentro do CEPUAD(centro de estudos e prevenção ao uso e abuso de drogas) basicamente se fazia era relatórios a respeito do estado clínicos dos jovens, era uma espécie de prestação de contas ao juiz, uma vez que o juiz indicava o jovem ao CEPUAD o CPUAD relatava periódicamente o estado desses jovens ao juiz competente.

GSV: Qual sua opinião a respeito da marcha da maconha?

Breno: Na da filosofia eu vou trabalhar dentro do campo da ética. A ética é meu campo de pesquisa, uma discussão presente dentro da filosofia que vai de Platão até Kant é que uma ação só tem validade a partir do momento que se tenha a capacidade de escolher, se você não tem capacidade de escolha essa ação não é moral, nesse sentido quando me perguntam sobre a marcha da maconha, quando me perguntam sobre a marcha que fazem sobre a eutanásia,sobre o aborto, eu serei sempre favorável, por que acredito na capacidade do homem de escolher,não vejo moralidade quando não se dá a capacidade de escolha. Ética para mim é uma tomada de consciência sobre o que se pode fazer com a vida. Dentro da ética estudo muito os estóicos, mas admiro também o movimento cínico. Alguns historiadores dizem que o cinismo ajudou na estruturação do pensamento Cristão, Cristo seria um jovem judeu cínico, a característica básica do cinismo seria a tentativa de sobrepujar as regras sociais, tentando estipular um novo ethos, um novo código de ética além das convenções socias. Então quando se fala em capacidade de escolha eu acho super positivo esse tipo de marcha que vem tentar quebrar alguns tabus.

GSV: Qual seria o melhor modelo de combate e prevenção, seria o coersitivo ou seja predendo, punindo ou um modelo baseado no diálogo e na informação?

Breno: A pergunta que se faz em filosofia é se o bem para ser o bem ele precisa ser imposto ou pode ser construido um conhecimento em relação a isso? Isso remete a questão da criminalização da droga. Ou seja será que a melhor maneira de combater a droga seria prendendo punindo ou se poderia fazer isso através de uma tomada de consciência fruto de uma discussão sobre o assunto?Quando se cria uma lei um cliché desse tipo apenas se reduz o problema e da para construir uma coisa muito maior por traz que merece ser discutido

GSV: Na última postagem em nosso blog houve alguns comentários em dizendo que não adiantaria públicar matéria conscientisadoras, por que o dependente não estaria nem aí para o debate, qual sua opinião?

Breno: Existe um livro muito bacana de uma autora chamada Júlia Sissa que faz uma abordagem filosófica sobre o uso das drogas e um dos trechos que eu acho muito interessante de Sissa fala sobre o diálogo de Filebo "aquele que goza não sabe que não goza", que gozo é esse que o usuário de drogas possui? Que tipo de prazer poderia compessar o uso? A filosofia e o debate são importantes na medida em que trazem questionamento. Questionando inclusive sobre a qualidade devida. Então trazer matérias sobre o assunto é de fato relevante para o debate.

GSV: O grupo GSV agradece a entrevista!

Breno: Eu é que agradeço!

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